Os desafios da infraestrutura de transportes no Brasil

A infraestrutura de transportes no Brasil vem sofrendo um grande processo de modernização nos últimos anos, capitaneado pela iniciativa privada. O setor privado vem reagindo a décadas de imobilismo e ineficiência do setor público que tem pautado os investimentos no setor em atender necessidades pontuais de cunho político, desprezando as reais necessidades da economia. Há quase meio século não se investia tanto em infraestrutura portuária e ferroviária no país. Novos projetos são revelados semanalmente. Empresas de todos os ramos de atividade tem começado um processo de diversificação, passando a olhar o setor de transportes como uma alternativa viável de investimento. Mas muito ainda falta por fazer e sem o comprometimento efetivo do setor público, boa parte destas necessidades não serão atendidas.

Todos já estão familiarizados com o fato da matriz de transportes brasileira ser predominantemente rodoviária com mais de 80% da carga sendo transportada por caminhões, modal de alto custo logístico e ineficiente para um país das dimensões do Brasil. Países de tamanho similar ou maiores como o Canadá, a Rússia, a China e os Estados Unidos, bem como a própria Europa tem uma matriz muito mais equilibrada com grande foco nos setores ferroviários e hidroviários, com o modal rodoviário servindo para atender o “last mile”, ou seja, o transporte da carga da porta das fazendas e indústrias até os terminais intermodais. Não é o que acontece no Brasil que a partir do governo Kubitschek, privilegiou o desenvolvimento da malha rodoviária em detrimento às ferrovias.

Mas o que nem todos estão a par é que a matriz brasileira chega a ser ainda mais desequilibrada justamente aonde está o grosso da produção. De fato, na região Centroeste, 88,1% das movimentações são realizadas por caminhão e na região sul, este percentual chega a 87,1%. Como comparação, no Sudeste este valor é de 69,3% com as ferrovias representando 18,6% e as dutovias 11,8%. Para piorar, a malha rodoviária é de péssima qualidade sendo que apenas 12% das rodovias são pavimentadas e a grande maioria tem condição de uso regular, ruim ou péssima. Segundo a pesquisa CNT rodoviária de 2014, apenas 30,7% das rodovias pavimentadas pesquisadas no Centroeste são boas ou ótimas para uso. No Norte, este índice é de apenas 17,7%. Usando uma matemática simplista, isto significa que apenas 2,1% das rodovias no Norte são meramente transitáveis. Isto é muito pouco e implica em custo de frete logístico altíssimo pois os caminhoneiros e transportadoras acabam tendo custos de manutenção (pneus, amortecedores) e de combustível mais elevados, além de girarem menos o seu ativo.

A solução para este desequilíbrio deveria ser investir nos modais ferroviários e hidroviários. Infelizmente, estas matrizes ainda não estão desenvolvidas e sobretudo carecem de competitividade. A malha ferroviária é grande no papel com mais de 30 mil km. No entanto, menos de 30% desta malha transporta mais de 1 milhão de toneladas de carga por ano. Como resultado, o restante da malha está sucateada e em muitos casos totalmente inexistente. É o caso por exemplo da malha ferroviária em partes do Nordeste como a que interligava a Paraíba ao Rio Grande do Norte. Apesar de ainda constar dos mapas da ANTT, há muito tempo que não passa mais nenhum trem por ela. E mesmo se quisesse passar, teria dificuldades pois em muitas partes, os trilhos já foram retirados ou senão árvores de mais de 10 metros cresceram no meio dos trilhos. O que sobra de malha operacional está restrita a poucos operadores. De fato, 99,6% de todo o tráfego ferroviário está nas mãos de apenas 4 operadores: Vale, MRS, ALL/Rumo e VLI. Destes operadores, apenas a VLI é totalmente independente, os demais sendo subsidiárias de empresas de mineração, siderurgia e sucro-alcooleira que privilegiam o transporte de suas próprias cargas. E estes players não disputam carga entre si já que cada um tem a sua área geográfica de atuação. Isto acaba resultando em falta de competitividade e em preços muito mais elevados do que deveriam ser já que a competição do modal ferroviário se restringe no Brasil apenas ao modal rodoviário. De fato, se nos Estados Unidos, o custo de frete ferroviário em geral é 70% do custo rodoviário, aqui no Brasil este custo é mais próximo dos 95% sendo que em alguns casos, chega a ser mais caro do que o modal rodoviário, como é o caso da movimentação de grãos com destino ao porto de Paranaguá nos picos de safra.

O modal hidroviário também não vem sendo a solução. Apesar de ser composto por 12 regiões hidrográficas que compõe mais de 40 mil km de rios com potencial de navegabilidade comercial, apenas uma ínfima parte é de fato operacional e vem sofrendo com a péssima infraestrutura e o descaso do poder público. Projetos de dragagem e sinalização de importantes corredores hidroviários como o do Rio Madeira, o do Rio Tocantins e o do Paraguai se acumulam nas prateleiras do governo federal. O derrocamento do Pedral de Lourenço na hidrovia do Tocantins que poderia permitir uma criação de um importante corredor hidroviário para o atendimento de todo o MATOPIBA está há mais de dez anos sendo discutido, sem nunca ser realizado. O setor hidrelétrico continua construindo barragens hidrelétricas sem eclusas como são os casos de Estreito e Lajeado no Tocantins, Jiraú e Santo Antônio no Madeira e as novas UHEs no Teles Pires/Tapajós. Todos estes problemas encarecem o modal hidroviário e os custos de frete estão entre os mais elevados do mundo.

Além dos modais, o Brasil também enfrenta grandes problemas nos seus terminais. A começar pelo sistema de armazenagem que é quase inexistente nas fazendas, sejam elas na região Sul, no Sudeste ou no Centroeste. No Estados Unidos, qualquer fazenda de 1 km2 já possui o seu silo e estruturas de secagem existem sempre nas proximidades. No Brasil, isto não é realidade e os grãos acabam sendo armazenados nos próprios caminhões ou diretamente nos portos, com custos altíssimos.

Por sua vez, o setor portuário público é ineficiente e burocrático, forçando os seus operadores a utilizarem mão de obra que muitas vezes não necessitam a preços altíssimos e arcando com custos de operação que servem para financiar companhias docas estatais inchadas. A recepção de navios em boa parte dos grandes portos públicos brasileiros é extremamente burocrática, com cada navio recebendo a visita separada da Vigilância Sanitária, Receita Federal, Policia Federal, Capitania dos Portos, etc..., dificultando todo o processo. Acoplado à uma falta de infraestrutura em alguns casos, isto tem feito com que longas filas de espera ocorram em portos como Itaqui, Vitória, Paranaguá e Santos, gerando o pagamento de multas aos armadores denominadas de demurrage.

Mas o setor portuário tem demonstrado que está se modernizando. Esta modernização é reflexo de uma mudança na legislação realizada em 2012 que permitiu a flexibilização da construção de terminais e portos multi-propósitos privados. Com regras mais claras, o setor privado passou a investir em larga escala no setor e projetos vem sendo lançados ao longo de toda a costa brasileira. A ponto de em algumas regiões como no Sul e Sudeste já haver preocupação sobre o potencial de capacidade ociosa de movimentação portuária que pode surgir se todos os projetos saírem do papel. Como exemplo, se todos os projetos de terminais de contêineres existentes entre Santa Catarina, Paraná e São Paulo saírem do papel, a capacidade potencial de movimentação de contêineres passará de 4,4 milhões de contêineres em 2012 para 12,0 milhões em 2025, sendo que a previsão de demanda não passará dos 6,3 milhões de contêineres em 2025 na área de influência dos portos destes estados.

Porém esta situação é pontual e ainda há muito por fazer para atender a demanda crescente do Brasil em todas as áreas. De fato, segundo previsões do MAPA, a produção de soja em grãos deve ultrapassar as 100 milhões de toneladas em 2020 sendo que quase 40% será exportada. O que não for exportado será transformado em farelo gerando quase 35 milhões de tonelada em 2020 dos quais mais de 45% será exportada. A produção de milho também deve crescer atingindo quase 90 milhões de toneladas das quais um quarto será exportada. A produção de açúcar também deverá crescer atingindo mais de 50 milhões de toneladas em 2020 sendo 70% para exportação. Estas projeções de crescimento no setor agrícola também afetarão o setor de fertilizantes que deverá importar mais de 40 milhões de toneladas em 2020. Este aumento da movimentação também afetará os setores de mineração, siderurgia e industrial, com aumento nas movimentações sobretudo de minério de ferro, aço, carvão mineral, celulose, combustíveis, químicos e contêineres.

Este crescimento da demanda implicará em gargalos cada vez maiores no sistema logístico brasileiro, com impacto nos custos logísticos de transporte. De fato, segundo estudo da consultoria Macrologistica, na região sul, o custo logístico de transportes de movimentar todas as cargas produzidas ou consumidas na região foi da ordem de R$ 30,6 bilhões em 2011, quase 6% do PIB da região e deverá ser de R$ 47,8 bilhões em 2020. Isto se repete em outras regiões como no Centroeste aonde passará de R$ 31,6 bilhões em 2012 para R$ 60,9 bilhões em 2020 e no Sudeste aonde passará de R$ 108,4 bilhões em 2013 para R$ 162,8 bilhões em 2020. Estes custos mais elevados só tenderão a piorar o nível de competitividade do Brasil frente aos seus competidores internacionais. O Brasil tem os maiores índices de produtividade agrícola do mundo mas perde toda esta vantagem na sua logística. E esta competitividade vem piorando nos últimos 10 anos. Segundo estudo da CNA, se em 2003, o custo de produção + logística de grãos na Argentina era de US$ 14/tonelada e nos Estados Unidos era de US$ 15/tonelada, no Brasil ele era de US$ 28/tonelada. O problema é que esta diferença só vem aumentando e em 2013, o Brasil já apresentava um custo de produção + logística equivalente a US$ 92/tonelada frente a US$ 20/tonelada na Argentina e US$ 23/tonelada nos Estados Unidos.

Mas então como resolver estes problemas?

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Macrologística Consultoria